
Por terras cazaques
Cazaquistão, uma nação no meio de gigantes! Sendo hoje o nono maior país do mundo, outrora pertenceu a um dos maiores impérios do mundo a mando de Genghis Khan, infundido a cultura asiática nesta região do mundo. Já sendo independentes tornam-se numa espécie de país vassalo do império russo de onde veio maior modernização, infelizmente com custos humanos durante a época soviética. Contudo, o povo cazaque é um povo resiliente, o país uma nação forte e com aventuras ao virar de quase qualquer esquina desde uma simples viagem de táxi, a uma visita a uma antiga gulag soviética – um destino perfeito para qualquer aventureiro.

Viajando pela noite fora, eis que o avião toca em solo cazaque e que a aventura começa. É ao sair do aeroporto que me deparo com uma situação deveras desafiante: ninguém fala inglês correntemente, apenas russo e cazaque – sendo realmente preciso um tradutor ou viajar com alguém que seja fluente nalguma das línguas locais. Aliando-se a este fator peço aos futuros aventureiros a serem pacientes ao lidar com os locais, que ao inicialmente parecendo-se frios e distantes mudarão ao fim de algum tempo a lidar convosco – requer passar algum tempo juntos para os locais sentirem que podem confiar em vocês e após isso já começarão a ver sorrisos (comportamento desenvolvido durante a “ocupação” soviética).
Apesar da barreira linguística consegui um taxista que fez o incrível esforço de usar o google translate para podermos ir na conversa o tempo todo, e sem esperar acabo por ter um simples e porreiro city tour. Enquanto fiquei abismado com as proporções megalómanas da cidade de Astana e me percebi que sem carro será desafiante andar tantos quilómetros ao calor, também fiquei a descobrir que com capacidade para 230000 pessoas Astana detém a oitava maior mesquita do mundo e que foi o palco da Expo 2017. Apesar dos ridiculamente grandes e magníficos edifícios também se pode ver 3 distintos tipos de foguetões (réplicas\modelos) que são lançados no sul do país – em Baikonur.



De câmara ao peito e tradutor na mão se inicia mais uma grandiosa epopeia! Com um calor rigoroso e seco se chega á gloriosa, imponente e clássica greco-romana ópera, ocupando uma área onde poderiam viver facilmente 50 famílias. A poucos metros encontra-se o início da sua bela e longa (detendo 4km) avenida repleta de edifícios arquitetonicamente esbeltos, coloridos (ora em tons de azul, ora numa espécie de folha dourada), e com design incrivelmente moderno conseguindo desafiar o mundo todo com a sua singularidade e distinção.


O começo do desbravamento desta selva citadina dá-se num esplendido e engraçado edifício em forma de tenda que “ironicamente” é um centro comercial completamente alinhado com o fim da avenida, onde se não fossem os altos e baixos (ao longo da avenida) ver-se-ia imediatamente o palácio presidencial no seu fim. No entanto, e creio que propositadamente, se vê constante o epicentro desta avenida, o Baiterek, mais propriamente, a sua esfera dourada mais parecendo um mini sol no coração de Astana. Atravessando um glorioso arco de proporções triunfais a singular e impressionante arquitetura moderna é-nos presenteada ora com edifícios soviéticos (cinzentos e parados nos anos da guerra fria), ora a edifícios tão espelhados que quase se vêm as reflexões da rua, ora a edifícios de formatos de todos os feitios possíveis (desde ondulados a ovais) – isto tudo em proporções incrivelmente megalómanas.



Após 2 quilómetros a sentirmo-nos constantemente como minúsculas formigas chegamos ao Baiterek, uma torre (também de observação) com uma esfera (de vidro) dourada no seu topo, como se fosse uma planta a desbotar, simbolizando uma Astana mais moderna sem nunca esquecer as suas antigas tradições. Um monumento que a meu ver representa todo o suor e sangue que o incrível povo cazaque derramou ao longo de séculos que jamais será esquecido, mas sim transformado em combustível para um próspero futuro.


E bem… realmente não se pode pedir por um fim (da avenida) com mais esplendor como um de se chegar a um palácio que embora colorido e massivo detém duas torres douradas á sua entrada quase como se fossem dois guardas de vigia, ou mesmo algo a simbolizar uma entrada num espaço soberano\divino.


- Atenção ao vosso equipamento fotográfico e/ou de vídeo pois este local é guardado por militares e os drones são proibidos. Inclusive selfie sticks podem ser vistos de lado, mas o mais importante é manterem a calma mesmo quando com um AK-47 a menos de 1 metro de distância.
Apesar de suficiente esplendor capaz de competir, e porventura derrotar, certas capitais europeias eis que esta parte nova da capital ainda apresenta uns truques na manga. Imediatamente atrás da área do palácio presidencial e após atravessar-se o rio é-nos presenteado um tesouro egípcio – sim egípcio! – conhecido localmente como o palácio da paz, este presenteia-se como uma magnífica pirâmide azul. Por sua vez, do outro lado da estrada uma monstruosa e complexa praça aparece algo aleatoriamente sendo acessível via uma estrada tão longa e larga que quase parece uma pista de aeroporto. Esta trata-se nada mais, nada menos do que a praça da independência marcada por um belíssimo e detalhado monumento em honra ao povo cazaque ao longo dos séculos



Para finalizar a visita á parte nova da cidade é obrigatória uma paragem na belíssima mesquita do sultão Hazrat. Incrivelmente branca refletindo a luz do sol, os seus coloridos e complexos detalhes, culminando numa entrada tão bela que parece falsa – apenas deixarei as fotos para que elas possam tentar fazer justiça á sua beleza.



- Side story time: estando tão deslumbrado com a beleza da mesquita deixei-me levar e fui andando até ao que pensei ser a sua entrada, mas para meu espanto, e apesar de estar perante um salão imenso, dei com uma espécie de cantina. E sim, acabei por ficar e comer, mas após falar com uma senhora que felizmente falava inglês e me explicou acerca da comida local. De barriga cheia e ainda sem acreditar na aleatoriedade da situação ainda tento descobrir onde fica a sala de orações, e mais uma vez graças ao meu milagroso tradutor, fico a saber pelo simpático porteiro que a entrada era no lado e num nível acima – ainda hoje me questiono como consegui falhar a entrada e entrar por baixo da mesquita.



Virando-nos para norte, acima do rio, encontra-se um mundo completamente distinto, mais pacato e algo parado no tempo, por outras palavras, a parte antiga/original da cidade de Astana. Ao contrário da parte nova é nesta que as ruas ganham vida com os seus inúmeros transientes, onde se encontram os derradeiros edifícios históricos e acima de tudo (para mim) é onde o passado soviético vem ao de cima – não apenas com alguns martelos e foices, mas sim com os famosos e coloridos murais. Contrastando com o dourado e azul da parte nova, é na parte velha onde o verde predomina e onde se podem encontrar os produtos frescos e locais. Ou seja, é onde se encontra o mercado municipal, e bem, será uma visita que realmente marcará qualquer um, sendo nós recebidos com um intenso cheiro a lacticínios, mas não apenas de vaca, mas sim também de égua (se forem gastricamente sensíveis não provem) – é realmente um espaço muito bem arranjado e incrivelmente movimentado, onde o desafio é não bater em alguém.



Algo que adorei experienciar foi a noite em Astana, em vez dos parques cheios de pessoas a fumar e a beber (ou pior) estes estão repletos de barraquinhas com jogos e desafios a troco de prémios (tal como o típico urso de peluche), mas também com vendedores ambulantes de Kurt (bolas de leite secas e salgadas) – algo que vos convido a experimentar. Mas obviamente que também há bares e derivados (alguns alcatifados)..

A 1 hora de distância da capital passando por imensos e quase infinitos campos ora verdejantes ora áridos, com o ocasional e aleatório minitornado de pó, se chega à antiga gulag de Alzhir – uma gulag construída para as mulheres dos prisioneiros. Hoje em dia este gulag foi transformada num museu detendo muitos artefactos reais soviéticos, possessões das antigas prisioneiras, fotos de algumas das prisioneiras que passaram pela gulag, cartas e acima de tudo um poema tão profundo que deixa qualquer pessoa arrepiada e num estado de tristeza profundo. Neste poema, resumindo, é descrito a vila que foi crescendo em torno deste gulag cujos residentes eram aliciados e apoiados pelos guardas soviéticos a atirar pedras ás prisioneiras, mas o que os guardas não sabiam era que as pessoas estavam na realidade a atirar bolas de leite em pó, ou seja, kurt, alimentando as prisioneiras – obviamente para quem consegue ler russo irá ler tudo muito mais detalhado.




Ainda atualmente a vila é habitada e, por mais incrível que pareça, esta está a crescer e novos prédios encontram-se atualmente em construção. É realmente fascinante andar-se por esta vila e voltar-se atrás no tempo com edifícios cuja construção remonta a 1964 indo até aos 80s, com a sua praça ainda decorada com o martelo e foice, lojinhas e restaurantes realmente acolhedores em vez dos megalómanos centros comerciais (e zonas de restauração) dos dias de hoje. As crianças brincam nos antigos baloiços enferrujados enquanto engraçam e se debatem acerca de quem são estas pessoas de fora que visitam a sua vila, onde já os mais velhos se juntam na praça principal e partilham histórias acerca dos seus antigos dias de glória. Um fim de dia perfeito e relaxado que trará de volta a boa disposição e porá um sorriso na cara de qualquer um após a visita á gulag – um dia repleto de emoções algo intensas.




Continuando na epopeia soviética e, infelizmente chegando-se ao fim desta viagem, segue-se a exploração de Karaganda (ou Qaraghandy). Pelo caminho, mais uma vez ficamos completamente perplexo com a vastidão deste poderoso país, com terrenos que parecem ser infinitos e as suas fronteiras inexistentes. Infelizmente, nem tudo é verde e esbelto e nos dias de hoje é escasso o país que não se encontre industrializado, mas quando se atravessa um estrada onde á direita se tem uma mina aberta, e à esquerda um complexo industrial tão imponente por onde chamas saem pela sua chaminé principal, enquanto que a cidade vivia sobre um cinzento veludo sem vida é quando nos debatemos com a parte mais negativa da realidade dos dias de hoje.

Porém a viagem continua e se avista Karanga, uma cidade super longa (parecendo não ter fim á vista), florida e verdejante, avenidas longas com o ocasional mosaico soviético escondendo pequenas relíquias dos maiores nomes da história soviética, mais propriamente estátuas de Lenin e de Gagarin.




Com avenidas realmente largas desenvolveram-se passagem subterrâneas para facilitar no tráfego e na segurança dos pedestres, no entanto nada como um pouco de pensamento capitalista, ou seja, por dentro deste “sistema subterrâneo” encontram-se lojinhas espalhadas por todo os lados como se tratasse de um centro comercial.

Ao sairmos das ruas principais mais para o interior das urbanizações é quando as verdadeiras cores da foice e do martelo se revelam, com os seus parques infantis feitos de betão e ferro (agora enferrujado), mas ainda de pé e prontos para aguentar mais umas quantas décadas. É onde as famosas fachadas do tempo de Kruschev se mostram com os seus tons cinzentos e castanhos das suas varandinhas em madeira – onde a cereja no topo do bolo se encontra no interior dos prédios num imenso contraste com o interior dos apartamentos.



- Nunca pensei descrever tanto um prédio em qualquer situação que fosse, mas realmente esta foi uma experiência digna de se partilhar. Com uma primeira impressão algo intensa e conflituosa em relação à integridade estrutural, somos presenteados com um portão eletrónico simples e assim que tal se abre um cheio a gás natural preenche todo o hall de entrada. Mas com o apartamento no último andar é seguir-se escadas acima e eis que ao se olhar para baixo, e apesar de serem feitos de betão, os degraus apresentam buracos neles sendo possível ver-se o lanço de escadas debaixo. E não esquecendo a componente elétrica parecia que era piso sim, piso não onde todos os cabos elétricos pareciam ter sido convidados a apanhar ar fresco e assim se deixaram ficar sendo também curioso que só há luz no prédio a partir do quinto (em sete) andar. Mas, contrastando com tudo isto é presenteado um apartamento ridiculamente novo, moderno e tão acolhedor que daria vontade a cada um de passar lá mais tempo.
Com um belíssimo parque com lagoa e praia encontrar-se-á lá todo o povo a relaxar depois de um longo dia de trabalho, ora de molho no lago, ora a aproveitar a sombra das árvores, ou simplesmente a aproveitar a música dos artistas de rua. Mas melhor é a feirinha com todas as suas barracas com desafios a troco de brindes, as inúmeras diversões (ora montanhas-russas, ora delas de andar á roda a alta velocidade), tudo isto convergindo no palco principal com música ao vivo. Mas nada como acabar um dia assim com um belo pôr-de-sol no lago a andar de gaivota e a aproveitar as boas vibes de mais uma aventura bem-sucedida.




– Como não se quer que os mais novos fiquem aliciados ao álcool é proibido beber-se em público, porém arranjaram-nos uma solução super engraçada: encher copos de café do estilo do Starbucks com a cerveja.

Com um voo por apanhar na capital, porque não viajar com os locais de comboio? Pois bem com um comboio que mais aprecia um arranha céus em carris embarcamos na última carruagem, na chamada terceira classe, onde a palavra privacidade era inexistente. Com camaratas de ambos os lados realmente torna-se numa experiência social muito porreira de se participar onde todas as pessoas confraternizam entre si ora sobre a forma de conversa, ora á espera que os seus noodles fiquem prontos a comer. Pois bem, isto é tudo muito bonito e engraçado, mas com a ausência de sistema de ar condicionado e/ou correntes de ar e com um calor de mato dentro do comboio os odores a pés, suor e comida juntam-se numa tremenda fragância fazendo qualquer um desejar perder as suas capacidades olfativas (nada que pôr um pouco de protetor solar de tempo a tempo perto do nariz não ajude…). Mas apesar de tudo isto recomendo a este esforço mental, que só assim é que ficamos a perceber as condições, desafios e sacrifícios a que certos povos se subjugam a troco de um possível futuro melhor – atrevo-me a dizer que é assim que se dá mais valor ao que damos por certo no nosso dia-a-dia.



- Aqui fica um bónus de como não subir nem descer para uma das camaratas.
– ATENÇÃO!! Caso o comboio não tenha carruagem restaurante não andem a deambular comboio fora pois serão forçados a regressar ao vosso lugar, inclusive serão seguidos pelos revisores até que se sentem.
Cazaquistão, realmente um país a se visitar e revisitar, onde aventuras de todos os tipos espreitam em cada esquina. Um grande obrigado a todas as belas pessoas que tornaram esta aventura ainda mais incrível do que poderia ter sido e que os nossos caminhos se voltem a cruzar num futuro breve.
Рақмет сізге/Спасибо Cazaquistão, e até breve!


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